COVID-19 E OS CONTRATOS


A Lei Federal nº 13.979 foi aprovada em 6 de fevereiro de 2020 para fornecer às autoridades federais e locais meios para lidar com a crise do coronavírus. Ela permite que agentes públicos ordenem medidas de (i) isolamento; (ii) quarentena; (iii) realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras biológicas, vacinas ou tratamentos médicos específicos; (iv) execução de estudos epidemiológicos; (v) exumação, necropsias e cremações; (vi) restrições excepcionais e temporárias de entrada e saída do País; (vii) requisição de bens ou serviços de particulares, mediante o pagamento subsequente de um “preço justo”; e (viii) autorização excepcional e temporária para a importação, mesmo sem registro na ANVISA, de produtos sujeitos à vigilância sanitária.

A Portaria nº 356, emitida pelo Ministro da Saúde em 11 de março de 2020, explica em mais detalhes como a Lei Federal nº 13.979 deve ser executada - e indica que as autoridades públicas poderão utilizar as prerrogativas nela estabelecidas até que haja o encerramento da “situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional”.

No entanto, para evitar ações administrativas arbitrárias e excessivas, a Lei Federal nº 13.979 estabelece que qualquer uma das medidas indicadas no parágrafo anterior [A.] “somente será determinada com base em evidências científicas” e [B.] “será limitada, no tempo e no espaço, ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”. Para garantir que tais determinações sejam pronta e totalmente implementadas, a Lei Federal nº 13.979 estabelece que sua violação “acarretará responsabilização” de quem as descumprir.

Além disso, a lei federal também estabelece que os indivíduos impedidos de comparecer a seus locais de trabalho terão suas ausências reconhecidas como "faltas justificadas" - e que todas as pessoas afetadas pelas medidas nela previstas terão direito a "tratamento médico gratuito".

No que tange às disposições previstas na legislação brasileira, temos algumas possibilidades, como o reconhecimento de caso fortuito ou de força maior, o término por onerosidade excessiva e também a renegociação forçada.

Ainda que a pandemia da covid-19 possa ser configurada como evento de caso fortuito ou de força maior, isso não significa que as partes estão automaticamente permitidas a deixarem de cumprir com suas obrigações porque estão passando por uma dificuldade financeira, decorrente da pandemia, por exemplo. Importante ressaltar que a dificuldade, a impossibilidade financeira, deverão ser demonstradas, para que se possa invocar o instituto de caso fortuito ou força maior.

Por sua vez, no caso da renegociação forçada, a aplicação da tese do evento de caso fortuito ou força maior também não é automática. Nada nesse sentido pode ser aplicado automaticamente, pois pode configurar inadimplência pura, passível de cobrança. É recomendável que as partes negociem; A palavra de ordem é “negociar”, sempre que o negócio for afetado pela impossibilidade real de cumprimento da obrigação financeira e até mesmo, da entrega do produto ou serviço.

Os contratos também podem ser finalizados ou seja, “resolvidos”, quando há uma onerosidade excessiva sobre o mesmo. Isso pode ser pleiteado judicialmente ou mediante uma negociação, uma flexibilização entre as partes, para ajuste da obrigação financeira, de forma que ela se adapte à essa realidade que estamos vivenciando, de pandemia da covid-19 e a parte pagadora consiga permanecer no negócio.

Salutar ressaltar que, independentemente da sensibilidade do presente momento, faz-se necessário que as obrigações contratuais sejam cumpridas, bem como que as partes contratantes adotem, sempre que necessário, as medidas para controle dos impactos decorrentes da força maior ou caso fortuito, favorecendo o equilíbrio do contrato. E sempre que houver a impossibilidade de cumprimento da obrigação financeira, que haja uma comunicação formal, coesa e de acordo com a previsão contratual, a fim de reduzir os impactos e requerer uma imediata renegociação do contrato, mesmo que durante o período de duração do evento extraordinário.

Teoria da imprevisão:

Requisitos: Previstos na primeira parte do artigo 317 do Código Civil (“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução [...]”

Consequências: Previstas na segunda parte do artigo 317 do Código Civil (“[...] poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”).

Diante da extrema dificuldade para o cumprimento do contrato, permite-se a revisão do valor das prestações contratuais.

Onerosidade excessiva:

Requisitos: Previstos na primeira parte do artigo 478 do Código Civil (“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis [...]”).

Consequências: Previstas no Código Civil, na segunda parte do artigo 478 (“[...] poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”), no artigo 479 (“A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.”) e no 480 (“Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”).

Caso fortuito e força maior:

Requisitos: Previstos no parágrafo único do artigo 393 do Código Civil (“O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”).

· Contrato de longa duração.
· Imprevisibilidade do evento superveniente: não pode estar inserido nos riscos ordinários do contrato (epidemia é considerada um evento imprevisível por grande parte da doutrina).
· Ausência de mora da parte que requer a aplicação da teoria.
· Quebra do equilíbrio contratual de maneira a causar desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução.
· Há doutrina que defende ter o artigo 317 do Código Civil a função apenas de permitir a correção do valor das obrigações em um período que o Judiciário não reconhecia a legalidade da correção monetária – função que perdeu o sentido após a inserção de vários dispositivos que tornam obrigatória a atualização monetária.
· Extrema vantagem para uma das partes, decorrente de evento imprevisível e extraordinário; e
· Excessiva onerosidade para a contraparte, advinda do mesmo evento imprevisível e extraordinário.

Consequências: Previstas no caput do artigo 393 do Código Civil (“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”).

· Diante impossibilidade do cumprimento da obrigação, parte impossibilitada não é responsabilizada pelo descumprimento.
· Fortuito interno: não há exoneração da responsabilidade; fortuito externo: há exoneração da responsabilidade.
· Não há, automaticamente, um direito à revisão ou rescisão do contrato. É preciso verificar a duração e o impacto do caso fortuito ou força maior, bem como as previsões do contrato sobre as questões.
· Caso relevante: exoneração da responsabilidade da parte pelo descumprimento da obrigação (em relação às mais diversas consequências. Ex.: exoneração do pagamento de multa e do pagamento de indenização por perdas e danos).

Diante da extrema dificuldade para o cumprimento do contrato, primeiramente, tenta-se a revisão contratual (com a possibilidade de o réu modificar equitativamente as condições do contrato) e, caso não seja possível a revisão, há a rescisão do contrato.

· Fato superveniente e necessário, não imputável à parte.
· Com efeitos inevitáveis.
· Doutrina diverge sobre a imprevisibilidade ser requisito ou não.
· Distinção entre fortuito interno (relacionado aos riscos da atividade da parte) e fortuito externo (independente dos riscos da atividade da parte).
· Se o risco de epidemia estiver inserido na atividade da parte, não há caso fortuito ou força maior (por exemplo, atividades hospitalares).
· Contudo, não há precedentes sobre uma pandemia igual à do coronavírus, que afeta todos os setores econômicos.
· Caso relevante: greve dos caminhoneiros (maio/2018) qualificada como situação de força maior/fortuito externo, quando se comprova o nexo causal entre a greve e a impossibilidade de cumprir a obrigação.

Caso se trate de relação de consumo, a imprevisibilidade do fato superveniente não é necessária, bastando a onerosidade excessiva para o consumidor (também chamada de teoria da base objetiva do negócio).

O Código Civil brasileiro prevê a prerrogativa da parte justificar o não cumprimento de uma obrigação em caso de força maior. Força maior é quando se está diante de um acontecimento, um evento imprevisível, que cria a impossibilidade de se cumprir a obrigação assumida contratualmente, impossibilidade esta não atribuível, nem à vontade daquele que tinha a obrigação, nem à vontade daquele que receberia o bem ou serviço. O fato imprevisível foi inevitável. Como exemplo, são os desastres da natureza.

Desta forma, a parte que não cumprir a obrigação por motivo de força maior, não responde pelos prejuízos resultantes. A força maior se verifica no acontecimento se a parte provar que o efeito era impossível de evitar ou impedir (art. 393, do Código Civil), desde que também prove que agiu com prudência e que, ainda assim, não era possível evitar o dano.

E, em caso de contratos da jurisdição brasileira, se for devidamente comprovada a relação causa e efeito entre a suspensão da execução dos serviços e entrega de bens e a suspensão das atividades, poderá a parte alegar a força maior como excludente de responsabilidade, nos termos do artigo 393, do Código Civil. 

O caos causado pelo coronavirus, pode ser considerado evento que cria a impossibilidade de se cumprir com a obrigação contratada, cuja impossibilidade não pode ser atribuída à vontade dos fornecedores de bens e serviços.

Avisos e Notificações:

No curto prazo, é importante considerar que muitos contratos exigem que a parte interessada em alegar força maior como base para a suspensão da execução contratual notifique sua contraparte.

O não envio desses avisos “prontamente” ou, em alguns casos, dentro de um certo número de dias, pode resultar em alegações de que a parte renunciou à defesa de força maior, ou outras consequências adversas.

Alguns contratos estabelecem ainda que a continuação de um evento de força maior por um determinado período de tempo (por exemplo, de 90 a 180 dias) pode dar causa ao direito de rescisão.

Em outros cenários, a força maior pode dar causa apenas à suspensão do dever de cumprir a prestação exigida. Impacto em outros contratos: As partes que pretendem suscitar ou que se deparam com uma declaração de força maior também devem considerar o efeito dessa declaração sobre outros contratos ou obrigações legais, por exemplo, contratos de financiamento e obrigações de divulgação de informações.

Diversos contratos financeiros incluem representações ou obrigações de notificar a contraparte sobre litígios relevantes, eventos relevantes que podem levar a litígios relevantes, ou perdas antecipadas e fora do curso normal dos negócios.

Uma interrupção dos negócios também pode constituir um evento de inadimplência, expressamente ou por meio de seu impacto em contratos financeiros ou outros.

Não obstante o Direito Brasileiro prever que o interesse público se sobrepõe ao privado, é possível pedir renegociação de contratos com base na alegação de onerosidade excessiva, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual. 

Em todo caso, a legitimidade de tal pleito deve ser avaliada de acordo com os termos do respectivo contrato.

Assim, muito embora o surto de coronavírus possa, em tese, ser considerado como força maior diante das consequências imprevisíveis decorrentes de uma pandemia, somente a análise das circunstâncias do caso concreto podem efetivamente autorizar ou não a utilização desse evento como excludente de responsabilidade ou mesmo causa de revisão contratual ou até rescisão.

CONTRATOS LOCATÍCIOS:

Em tempos de coronavírus, as relações locatícias não residenciais, conforme definição legal do artigo 51 da lei 8.245/91, sofrerão impactos em suas estruturas negociais.

Em épocas de crise, quando se exige bom senso das partes, locador e locatário precisam conversar para que o dinheiro não falte a um e tampouco comprometa o orçamento do outro, a ponto de inviabilizar o comércio desenvolvido naquela locação.

As duas premissas para esta renegociação são aquelas específicas do artigo 22, I, da Lei de Locações, assim como do artigo 23, II, da mesma lei, ao estabelecerem aos contratantes a livre disponibilidade do imóvel locado, tanto para os fins da locação em si, obrigação do locador, como para o desenvolvimento das atividades previstas no contrato, obrigação do locatário.

Diante desta pandemia mundial, shoppings e galerias comerciais estão fechados, em função de decretos governamentais, que proíbem ou limitam a circulação do público em geral.

Surge-se, então, o impasse: o Covid-19 é um excludente de responsabilidade? A meu ver, sim, e se enquadra na definição clássica de caso fortuito e força maior, prevista no artigo 393, parágrafo único, do Código Civil, com o rompimento do nexo causal nas obrigações e responsabilidades advindas das relações locatícias (artigo 396 do Código Civil).

Esse fato imprevisto e superveniente à locação enseja a revisão dos contratos de locações comerciais, de um modo geral, com base nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil.

E, nesse ponto, o artigo 478 do Código Civil é eloquente, ao dispor, em síntese, que, nos contratos de execução continuada, se a prestação se tornar excessivamente onerosa para uma das partes, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, permite-se a sua revisão. É essa a essência do artigo, daí a chamada Teoria da Imprevisão nos contratos.

A Lei de Locações (Lei 8.245/91), assim, se rende às especificidades do Código Civil, que complementa e regulamenta aquilo que não contém previsão expressa na lei específica, de modo a permitir as renegociações de contratos comerciais em períodos críticos, independente das ações específicas, previstas no artigo 58 e seguintes da Lei de Locações/inquilinato.

A renegociação extrajudicial destes contratos, pautada na boa fé e no bom senso das partes envolvidas, é o caminho mais indicado a se seguir, buscando garantir o equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou seja, evitando que apenas uma das partes suporte integralmente os prejuízos decorrentes da pandemia.

O art. 18 da Lei do Inquilinato permite a qualquer uma das partes fixar, de comum acordo, um novo valor para o aluguel, como também inserir ou modificar a cláusula de reajuste do valor.

Assim, locador e locatário podem acordar, por exemplo, a concessão de desconto no valor do aluguel, por prazo determinado (exemplo: 3 meses a contar do início da pandemia), ajustando um valor que seja proporcional ao tempo de baixa de vendas sofrida pelo locatário. Lembrando que, ainda que a atividade comercial esteja suspensa naquele ponto, até a devolução do imóvel ao dono é preciso pagar enquanto houver posse do imóvel.

Uma outra saída é ajustar um desconto por prazo determinado, com prorrogação do pagamento do valor para período posterior (exemplo: desconto de 50% do valor do aluguel por 3 meses, para pagamento do valor correspondente no ano seguinte).

Podem também convencionar que não haverá reajuste no contrato, no corrente ano.

Embora seja aplicável a lei específica (do Inquilinato) às relações locatícias, a revisão dos contratos pode ocorrer pela teoria da imprevisão, extraída do art. 317 do Código Civil, que diz:

“quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Em casos extremos, o locatário pode requerer a resolução do contrato, com base no art. 478 do Código Civil (teoria da onerosidade excessiva),“nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

QUESTÕES DE HEALTHCARE:

PLANOS DE SAÚDE As operadoras de planos de saúde, incluindo as seguradoras especializadas em saúde, serão muitíssimo impactadas pelo surto de coronavírus.

Em 12 de março de 2020, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou a Resolução Normativa nº 453 (publicada no Diário Oficial de 13 de março de 2020), que introduz os exames para diagnóstico da gripe por coronavírus no rol de procedimentos médicos obrigatoriamente disponibilizados pelas operadoras a beneficiários.

O tratamento da doença já estava coberto pelos planos de saúde de acordo com sua segmentação (ambulatorial ou hospitalar). No Brasil, as operadoras de planos de saúde são obrigadas a reembolsar o sistema de saúde pública (ressarcimento ao SUS) por quaisquer despesas médicas incorridas com pacientes que sejam beneficiários de planos.

Espera-se que o índice de sinistralidade nos planos de saúde aumente vertiginosamente devido ao coronavírus, levando a pleitos de reajuste das operadoras de planos de saúde com vistas a eliminar o desequilíbrio dos contratos.

Essas reivindicações surgirão nos próximos meses (ainda durante o prazo de vigência dos planos de saúde) ou por ocasião da renovação dos planos, cujos prazos de vigência são anuais. Esperam-se intensos problemas a serem enfrentados por estipulantes para renovar os planos.

O seguro de “stop loss” oferece cobertura para perdas que excedem em muito a margem de sinistralidade estimada no plano de saúde, mitigando assim prejuízos econômicos do grupo de segurados (incluindo da estipulante) relacionados ao aumento inesperado de sinistralidade (despesas médicas). Contudo, pouquíssimas empresas contratam tal produto.

Em 4 de março de 2020, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) publicou resolução que autoriza que operadoras de planos de saúde em geral transfiram riscos contratados por meio de resseguro. Antes disso, apenas as seguradoras de saúde, que correspondem a um subtipo de operadora de planos de saúde importante, mas não prevalente no mercado, podiam fazê-lo. E isso unicamente por falta de normas jurídicas que permitissem às não-seguradoras ceder riscos em resseguro. Os formuladores das políticas de seguros acreditam que essa mudança regulatória ampliará significativamente a capacidade das operadoras de planos de saúde em lidar com os riscos relacionados à assistência à saúde em um futuro próximo.


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