Alterações do Decreto 3.048/99 e as aposentadorias programadas

Por Lucas Cardoso Furtado 8 de julho de 2020 às 14:06
Atualizado em 20 de julho de 2020 às 11:13

Decreto 3.048/99 foi alterado recentemente pelo Decreto 10.410/2020, a fim de regulamentar as novas regras trazidas pela Reforma da Previdência.

No texto de hoje abordarei quais foram as principais alterações que afetam o direito às aposentadorias programadas – especial, por idade ou por tempo de contribuição.

Antes de adentrar especificamente as mudanças (negativas em sua maioria), faço questão de relembrar que o objetivo precípuo de um Decreto expedido pelo Poder Executivo é garantir a fiel execução da Lei (art. 84, IV, da CF).

Dito isso, pergunto: que Lei? Após a Reforma ainda não tivemos a aprovação de nenhuma Lei Complementar dispondo sobre as novas regras da Previdência.

Então colegas, a meu ver, em alguns momentos o Decreto extrapola sua capacidade normativa, criando situações e regras que deveriam ser tratadas exclusivamente em Lei.

Esse é um terreno fértil para construções de teses jurisprudenciais favoráveis aos segurados. Ou seja, não podemos nos conformar com eventuais ilegalidades do novo Decreto.

Sem mais demoras, vamos as alterações.

 

 

Aposentadoria por Idade Híbrida só pela regra permanente?

A nova redação do art. 57 do Decreto 3.048/99 dispõe sobre a possibilidade de concessão da chamada aposentadoria por idade híbrida (soma de tempo urbano e rural para atingir os requisitos carência/tempo de contribuição).

O curioso é que o Decreto limita o direito àqueles que cumprirem os requisitos da aposentadoria por idade pela regra permanente, quais sejam:

 

  • 62 anos, se mulher, e 65 anos, se homem;
  • 15 anos de tempo de contribuição, se mulher, 20 anos de tempo de contribuição, se homem.

 

Isto é, o Decreto aparentemente excluiu a possibilidade de concessão da modalidade híbrida na aposentadoria por idade pela regra de transição, que tem os seguintes requisitos:

 

  • 60 anos, se mulher, e 65 anos, se homem – idade mínima para mulheres com aumento progressivo de 6 meses por ano a partir de 2020, chegando a 62 anos em 2023;
  • 15 anos de contribuição para ambos os sexos;

 

Essa é uma clara extrapolação regulamentar! A aposentadoria híbrida está prevista na Lei 8.213/91 (art. 48, § 3º) e sua aplicação é condicionalmente ligada à aposentadoria por idade.

Nesse ponto, o art. 18 da EC 103/2019 (Reforma da Previdência) é claro ao assegurar que para os segurados filiados à previdência até a data de início de sua vigência, será concedida aposentadoria por idade conforme requisitos de transição que mencionei acima.

Portanto, esse é um tema que certamente será objeto de discussão no poder judiciário.

 

Período de afastamento por incapacidade não pode mais ser computado como tempo especial

A nova redação do art. 65 do Decreto 3.048/99 suprimiu a previsão sobre a possibilidade de o período em gozo de benefício acidentário ser considerado tempo especial.

Isto significa que aquele trabalhador que desempenha atividade especial (estatisticamente o mais sujeito a acidentes laborais), não terá computada a especialidade de período em gozo de benefício por incapacidade nem mesmo se decorrente de acidente de trabalho.

Tal regulamentação está em sentido diametralmente oposto ao entendimento recentemente firmado no Tema 998 do STJ, que garante inclusive o cômputo de período em gozo de benefício não acidentário como especial. Reproduzo a tese firmada:

Tese Firmada Tema/Repetitivo 998 STJ:

O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.

Com efeito, esse é mais um ponto que possivelmente será objeto de novas discussões no poder judiciário.

 

Período em benefício por incapacidade não conta para carência

O novo art. 19-C, § 1º, dispõe que será computado o tempo intercalado de recebimento de benefício por incapacidade, exceto para efeito de carência.

Aqui vemos mais um ponto que a regulamentação diverge radicalmente da jurisprudência já consolidada.

Nesse sentido, tivemos o julgamento de duas Ações Civis Públicas, a n. 0216249-77.2017.4.02.5101/RJ e a n. 2009.71.00.004103-4/RS, que determinaram ao INSS a contagem, para efeito de carência, de período em gozo de benefício por incapacidade acidentário ou não.

Todavia, por precaução, pode ser interessante orientar os segurados a verterem contribuições como facultativo durante o recebimento de benefício por incapacidade. Isso garantiria a contagem da carência no período.

Por fim, cabe indicar o texto do Dr. Yoshiaki: Reforma da Previdência e o fim da carência nas aposentadorias.

 

Reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER)

Embora não se trate de nenhuma novidade, essa é uma das alterações positivas do Decreto: a possibilidade de reafirmação da DER (art. 176-D).

Digo que não é novidade porque a IN 77/2015 do INSS (art. 690) e o STJ (Tema 995) já garantiam essa possibilidade.

Apenas relembrando, a reafirmação da DER pode ser de extrema importância naqueles casos em que o segurado não preenchia os requisitos no momento do requerimento, mas vem a implementar posteriormente, no curso do processo administrativo ou judicial.

Para aprofundamento no tema, indico o texto da Dra. Fernanda: A importância da reafirmação da DER pós-Reforma da Previdência.

 

Agentes cancerígenos – não há mais especialidade presumida.

Na antiga redação do § 4º do art. 68 do Decreto 3.048/99 havia previsão de que, uma vez presente agente cancerígeno no ambiente de trabalho, estaria comprovada a efetiva exposição e, consequentemente, a especialidade da atividade.

Ou seja, não eram consideradas medidas de controle, níveis de exposição nem tampouco eventual utilização de equipamentos de proteção individual.

O novo texto do dispositivo agora prevê que “caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição”.

Assim, esse é mais um ponto do Decreto que diverge da jurisprudência. Na 4ª Região foi julgado o IRDR n. 15, que fixou tese no sentido de que, em se tratando de agente reconhecidamente cancerígeno, a ineficácia dos equipamentos de proteção é presumida.

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