Aposentadoria Especial: Tema 709 do STF e devolução de valores

Por Lucas Cardoso Furtado 23 de setembro de 2020 às 09:51
Site: previdenciarista.com

Temos na internet uma enxurrada de informação sobre o julgamento do Tema 709 pelo STF, gerando certo pânico em quem recebe aposentadoria especial.

Esse cenário se desenha a partir do fato de que assuntos que geram apreensão, também acabam por trazer engajamento em redes sociais.

É certo que existe um problema e a ansiedade se justifica. Mas, a sede por informação de forma apressada, não pode vir a prejudicar a análise objetiva e racional do atual cenário.

Nesse contexto, tenho recebido mensagens de aposentados certos de que terão que devolver todos os valores já recebidos.

Ocorre que este é um quadro improvável e “cada caso é um caso”. Explico a seguir.

Relembrando: o que foi decidido pelo STF no julgamento do Tema 709?

Ao julgar o Tema 709, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o §8º do artigo 57 da Lei 8.213/91 é constitucional.

Isto é, quem recebe aposentadoria especial não pode continuar desempenhando atividade especial (nociva).

A parte boa da decisão é que os efeitos financeiros foram fixados na data de entrada do requerimento, mesmo na situação em que o segurado continuou trabalhando em labor especial durante o trâmite administrativo ou judicial.

Isso significa que o segurado vai receber os atrasados da aposentadoria mesmo que tenha permanecido trabalhando durante o processo administrativo ou judicial. Assim, o afastamento da atividade deve ocorrer apenas quando efetivado o recebimento da aposentadoria.

Quem trabalhou aposentado terá que devolver?

Existem duas situações que merecem ser diferenciadas: 1) Recebimento de aposentadoria especial por força de tutela provisória (processo em andamento); 2) Recebimento de aposentadoria especial por força de processo já transitado em julgado (processo finalizado).

1) Tutela provisória

Quem recebeu com o processo em andamento terá que devolver?

STF:

A resposta a essa pergunta pode ser dada pelo próprio STF no Tema 709, pois foi uma das questões abordadas em embargos de declaração, que aguardam julgamento.

Nesse sentido, destaco que o STF já decidiu em outras ocasiões que “benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito“. (ARE 734242 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015).

Por outro lado, o mesmo STF já resolveu que o tema sobre devolução de valores recebidos por decisão judicial revogada é de natureza infraconstitucional (Tema 799).

STJ e TRF4:

Sendo assim, a questão também pode recair ao Tema 692 do STJ, que está em processo de revisão da tese firmada, a qual, originalmente, possibilitava a devolução de valores recebidos por força de tutela provisória.

Fato é que, no TRF da 4ª região, onde eram proferidas tutelas provisórias permitindo a continuidade na atividade especial, a jurisprudência se mostra favorável aos segurados. Veja:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO. COMPANHEIRA E FILHA. VALORES RECEBIDOS A MAIOR DESCONTADOS DA PENSÃO RECEBIDA PELOS DEMAIS DEPENDENTES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ. NÃO DEVOLUÇÃO.

Evidenciada a boa-fé, o beneficiário não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, sob pena de inviabilização do instituto da antecipação de tutela no âmbito dos direitos previdenciários. Conclusão a que se chega do julgamento do MS 25430.

(TRF4, AC 5023042-88.2017.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 17/09/2020)

No meio dessa discussão judicial toda, ainda tivemos a edição da Lei 13.846/2019 que alterou o art. 115, II, da Lei 8.213/91, prevendo que valores decorrentes da revogação de decisão judicial podem eventualmente ser descontados de benefícios.

Note que o cenário é sim de incerteza. Porém, o fato de o STJ estar em processo de revisão de tese do Tema 692, bem como a jurisprudência favorável do STF e do TRF4, motivam um prudente grau de otimismo.

Indico, por fim, outra publicação aqui do Prev: Devolução de valores recebidos de boa-fé: o que fazer?

2)Processo finalizado

Quem recebe aposentadoria especial e trabalha por força de processo já finalizado corre algum risco?

Aqui temos um cenário de certa forma mais favorável, pois existe coisa julgada quanto ao direito de o aposentado continuar trabalhando.

A única forma de o INSS reverter essa situação seria por meio de eventual ação rescisória. Para tanto, há que se aguardar o trânsito em julgado do Tema 709, sendo que não pode haver modulação de efeitos nos embargos de declaração.

No pior cenário, em que o Tema 709 transita em julgado sem modulação de efeitos, o INSS teria o prazo de dois anos (a contar do trânsito em julgado) para interpor a ação rescisória.

Posteriormente, uma vez rescindida a decisão que reconheceu o direito à permanência na atividade especial, o INSS teria que notificar o segurado e instaurar o procedimento de cessação do benefício.

Desse ato, o segurado poderia se defender administrativamente e/ou judicialmente alegando, por exemplo, que não trabalha mais em atividade especial.

Somente após todo esse procedimento poderia haver alguma discussão sobre devolução de valores, e aí voltaríamos ao tópico anterior (devolução de valores recebidos por força de decisão judicial revogada).

O que o aposentado deve fazer?

Como destaquei no início da publicação cada caso é um caso. Quem já está recebendo por tutela provisória vai ter em breve a revogação do direito de permanecer na atividade especial.

Nesta situação, a orientação mais cautelosa é a de que o aposentado já procure se afastar da atividade especial para evitar qualquer problema.

Todavia, conforme já expliquei, existe a possibilidade de a jurisprudência assegurar a irrepetibilidade dos valores de quem recebeu aposentadoria e trabalhou por força de decisão judicial.

Nesta perspectiva, quem tiver o perfil “menos precavido” pode aguardar a revogação da tutela para se afastar da atividade especial.

Por outro lado, quem teve processo finalizado com o direito à permanência na atividade especial, tem maior garantia jurídica e pode ao menos aguardar o trânsito em julgado do Tema 709 para se afastar da atividade laboral.

Sim, o tema é complexo e as incertezas justificam a apreensão dos aposentados. Aos previdenciaristas, a mensagem é de serenidade, trabalho e foco às particularidades de cada caso e cliente.

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